Senhores, se não cuidam da porta de suas casas, como podem
querer gerir minha alma?
Está ali para quem quiser ver, mas ninguém parece prestar
atenção. Ficam preocupados em saber quem sou, de onde venho, onde estou, quando
a preocupação seria por que faço o que faço. Mas isso é algo ligado ao meu universo
particular.
Alguém me disse que sou parcial e subentendi que sou aético e
sem caráter. Talvez eu seja, talvez não seja. O fato é que me sinto bem sendo
uma incógnita. Deleito-me em ser a interrogação de suas noites mal dormidas.
Eu sou o diabo atormentando a sua relação de possibilidades.
Eu sou a gota de suor que atravessa o seu corpo e se absorve no íntimo da sua
vontade. Eu sou aquele que fervilha no
seu sangue e borbulha na sua consciência.
Quem fala o que quer...
Aposto que você completou a frase, ainda que mentalmente:
... ouve o que não quer! Afinal, é para isso que servem os ditos populares –
para nos fazer crer neles como verdades absolutas.
Mas será mesmo?
Em alguns casos, certamente vamos ouvir o que não queremos
ao falarmos o que queremos, mas em outros, certamente poderemos ouvir o que
queremos. Portanto, a frase mais certa seria: Quem fala o que quer, ouve o que
o outro quer dizer. Simples assim, óbvia e justa assim!
O problema é que, por não suportarmos a ideia de que o outro
pode nos falar o que não queremos ouvir, preferimos nem dizer o que queremos.
Ou ainda, para não darmos o direito ao outro de fazer o que ele quiser, muitas
vezes deixamos de fazer o que temos vontade.
O mundo da imaginação rola solto e ninguém se expõe, ninguém
se atreve a ser autêntico, a bancar seus desejos e pagar pra ver quais são os
desejos do outro.
Falar assim parece uma ficção, mas é real. Feche os olhos,
me veja na sua imaginação e perceberá que ficou com uma expressão um tanto
confusa, como quem – de repente – se vê diante de uma nova possibilidade; mas
logo depois volta a se defender: Ah, não! Prefiro vê-lo de outro modo. E eu,
pretensiosamente, na sua imaginação me mostro diferente. Traduzo: você prefere
seguir pelo caminho mais fácil só para não correr o risco de descobrir que o
seu lado mau é igual ao meu. Nossos demônios são gêmeos, saíram do mesmo inferno
e voltarão de onde vieram.
Não fique perturbado! Isto me diverte. Estamos em silêncio, cada qual com suas reflexões,
mas intrinsecamente pensando se realmente deve abdicar de seus desejos por medo
do desejo do outro.
Sinceramente, eu sei que não é nada fácil ser rejeitado ou
perceber que o que a gente quer não vai ser possível porque o outro não quer,
mas também me sinto cada dia mais satisfeito comigo mesmo na medida em que
consigo assimilar que sou responsável tanto por aquilo que faço quanto por
aquilo que deixo de fazer, especialmente quando o assunto passa pelo meu
coração... quando, às vezes, tenho um.
E assim, tenho preferido arriscar, fazer a minha parte e
deixar que o outro faça o que quiser fazer, pense o que quiser pensar e sinta o
que puder sentir.
Porque só deste modo estarei vivendo emoções e prazeres com
todo o meu ser, amando ou odiando como eu realmente quero, sem que minhas fantasias
sobre o que pensam de mim, sejam dolorosas ou gozosas, desde que por quaisquer
que sejam a vias, conduzam aos meus desejos inconfessaveis.
O resultado do meu ser tem sido bem mais positivo do que eu
poderia supor, felizmente!
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